Judith Mair e a ditadura do trabalho

Celulares desligados, colegas chamados pelo sobrenome, uniforme na empresa. Segundo a empresária alemã, é para o bem de todos.

Ao ser admitido no escritório da Designer e Publicitária alemã Judith Mair, o funcionário recebe um livro de regras da empresa. Algumas normas reforçam as diferenças hierárquicas e a separação entre interesse profissional e âmbito privado. Para começar, chefes e colegas devem ser chamados pelo sobrenome. Judith recomenda que, se a conversa no escritório for demorar mais que cinco minutos, é melhor deixá-la para a hora do almoço. Os celulares devem ser desligados durante o expediente. Mesmo telefonemas pessoais e e-mails particulares devem ser feitos na hora do almoço.

Há outras: ”É obrigatório trajar o uniforme da empresa nos compromissos com os clientes”. Por outro lado, recomenda que o trabalho se restrinja aos dias da semana. O expediente na empresa de Judith inicia-se pontualmente às 9 horas. Às 17h30 encerram-se as atividades e às 18 horas o último funcionário deve deixar o local. A partir das 17 horas não é obrigatório atender as chamadas telefônicas. E o funcionário está proibido de levar para casa qualquer serviço da empresa. ”O trabalho restringe-se às quatro paredes do escritório”, diz. Pode parecer um paradoxo, mas o que Judith pretende ao tratar seus empregados como alunos de um internato é acabar com o que denomina ”ditadura do trabalho”. Em seu livro “Chega de Oba-Oba!”, Recém-lançado no Brasil (Editora Martins Fontes), ela critica o sistema de gerenciamento das empresas americanas, nas quais os superiores delegam a seus subordinados não apenas o trabalho, mas toda a responsabilidade por seu desempenho. Para a autora, a adoção da flexibilização de horários, do trabalho em grupo e da abolição de hierarquia são formas de exploração dos empregados. ”A vida pessoal do empregado é sagrada. Mas no trabalho a dedicação deve ser total e absoluta”, diz Judith.

Confira agora a entrevista coletiva que ela concedeu em Colônia, na Alemanha.

Você diz que está enganado quem pensa que um bom trabalho é só aquele que dá prazer. O que é um bom trabalho para você?
A definição de bom trabalho depende da perspectiva de cada um. Quase todos nós esperamos que ele nos proporcione satisfação. Procuramos um emprego próximo a nossos interesses, talentos e qualificações. Por outro lado, vivemos em um estágio avançado de capitalismo. E esse sistema está interessado apenas no aumento do lucro. Ao mesmo tempo em que fala de empregos dos sonhos, esse modo capitalista produz mais e mais trabalhos mal pagos e altas taxas de desemprego.

”Meus empregados podem atender ligações urgentes, mas não bater papo. Eles têm tempo para isso depois do trabalho, já que saem da empresa às 6 da tarde. Não espero que fiquem depois disso”

Não existe bom trabalho?
Um bom trabalho não é o que o sistema capitalista nos oferece. Pelo contrário. O sistema espera que aceitemos os empregos que estão disponíveis e façamos os trabalhos que os gerentes e CEOs das empresas esperam de nós. Há uma evidente contradição entre nossa expectativa de um bom trabalho e a oferta real de boas oportunidades. As companhias fariam melhor se nos dissessem a verdade em vez de oferecer um posto no Mcdonald’s dizendo que é o emprego de nossos sonhos. Por isso, critico esse modelo americano supostamente tão prazeroso, tão agradável, que tomou conta das companhias do mundo inteiro, inclusive na Alemanha e no Brasil.

As companhias fazem o oposto ao que você propõe, ao valorizar flexibilidade de horários, trabalho em grupo e abolição de hierarquia. Essas empresas estão erradas?
É preciso contextualizar. A ”nova economia”, e todo o seu modelo, quebrou. Muitas pessoas envolvidas com empresas de internet estão decepcionadas. Depois que a bolha estourou, tivemos de reconhecer que a festa havia terminado e que teríamos de voltar à ”velha economia”. Eu critico as estratégias de gerenciamento exportadas pelos Estados Unidos, como essa valorização do trabalho em grupo e essa concepção de que o emprego é divertido e colegas de escritório são amigos. Isso é bobagem. À primeira vista, a promessa de mais responsabilidade, autonomia e liberdade parece boa. Mas a maioria dessas práticas é método moderno de exploração. É um truque pérfido.

Como deve ser uma empresa perfeita?
Uma empresa perfeita deve ser sempre honesta com seus empregados. Não deve dizer mentiras apenas para motivá-los. Também deve respeitar a vida privada de seus funcionários, porque sabe que o trabalho não é tudo e eles precisam de seu tempo livre à noite e nos fins de semana para relaxar com a família. Além disso, mesmo uma empresa perfeita deve ser modesta e não esperar que seus empregados ou clientes admirem as grandes companhias como se fossem ícones de seu tempo.

Você afirma que, nas novas relações de trabalho, o funcionário tem mais autonomia, mas também sofre muita pressão por resultados. Com menos autonomia e mais regras a cumprir dentro da empresa, ele trabalharia menos e seria mais feliz?
Eu diria que sim, mas isso depende das regras de cada lugar. O horário de trabalho e a divisão de responsabilidades e competências devem ser bem claros. As normas existem para proteger os funcionários da demanda excessiva.

”Sou membro de uma geração que é cética e pé no chão o suficiente para não acreditar em conceitos eufemísticos de gerenciamento. Boa parte da população não tem emprego. A outra trabalha sem parar”

Se o trabalho passar a ser regido pelo horário fixo, e não mais pelo rendimento, quem garante que o funcionário não fará corpo mole durante o expediente? Quais as garantias para o empresário?
Devemos observar que o ”recurso humano”, para utilizarmos uma expressão muito comum do vocabulário empresarial americano, é um recurso muito sensível. Se você quer que alguém faça um bom trabalho, é irresponsável e estúpido fazer com que essa pessoa trabalhe dez ou até 12 ou 14 horas por dia. Devemos lembrar que o empregado se comprometeu a ser produtivo quando assinou seu contrato de trabalho. Por que não confiar nele? Em troca, todos os empresários e CEOs devem lembrar que esse empregado assinou um contrato de 40 horas de trabalho por semana, e não de 60 ou 80.

Se as condições de trabalho são tão ruins nas empresas flexíveis, porque os empregados não se queixam?
A maioria dos empregados está contente porque tem um emprego. Eles não vão arriscar saindo mais cedo do escritório ou trabalhando menos. Por isso, a maioria fica até mais tarde e trabalha mais sem reclamar. Há tanto desemprego que quem tem trabalho não se queixa.

Cada vez mais as pessoas têm menos vínculos empregatícios e trabalham mais em casa. Isso é ruim?
É um risco. Você acaba trabalhando no fim de semana, checa sua caixa postal de casa e recebe chamadas profissionais em seu celular pessoal. Você deve estar disponível o tempo inteiro. Por exemplo, a maioria dos cartões profissionais de parceiros ou clientes que eu tenho traz seus telefones particulares. Mas por que eu deveria ligar para a casa ou para o celular deles em um domingo, quando estão almoçando com sua família e seus filhos? Obviamente, isso mostraria uma total falta de respeito com sua vida privada.

As empresas alegam que a flexibilização de horários e a quebra de hierarquia motivam os funcionários. Você não acha que motivação é importante?
Claro. Se você está motivado, é muito mais fácil trabalhar. Mas estou convencida de que a longo prazo a pessoa não deve estar só motivada, mas satisfeita. Não acredito no efeito de incentivos empresariais, não importa se são financeiros ou churrascos na empresa e festas com os colegas.

Dê um exemplo de uma empresa que mostra essa falta de respeito com os funcionários que você tanto critica.
A Nike é um exemplo de companhia cruel. Seus empregados são obcecados pela marca. Seu modo de agir lembra um sistema totalitário ou fanático. Seu objetivo é convencer os empregados e o resto do mundo de que ela não é uma empresa comum ou uma fábrica de tênis, mas uma comunidade com maneira própria de encarar a vida.

Existe uma pressão das empresas para que os empregados participem de eventos sociais fora do horário de trabalho? Qual o limite entre o trabalho e a vida fora dele?
A vida privada e o trabalho devem ficar em esferas distintas. Nos últimos anos a vida privada tem ocupado cada vez menos espaço. Conectados por e-mail e celulares, estamos sempre prontos para trabalhar. É perigoso quando o trabalho e o tempo livre se misturam. É um sistema totalitário se meu chefe organiza minha vida, desde meu café-da-manhã até meu treino de ginástica. Acredito que cada vez mais as pessoas querem ser chefes do próprio tempo livre e passar mais horas em sua esfera privada, longe do trabalho e de seus colegas.

Antônio Ermírio de Moraes é um empresário brasileiro bem-sucedido. Seu grupo Votorantim, com atuação em dez setores, do agronegócio à tecnologia, tem uma receita de R$ 18,4 bilhões e um lucro de mais de R$ 4 bilhões por ano. Ele tem uma relação muito próxima com seus empregados, participa de festas e churrascos da empresa e é considerado por eles um bom patrão. Exemplos como esse não vão contra sua teoria?
Preciso conhecer Antônio Ermírio de Moraes e seus empregados para emitir minha opinião. Mas posso assegurar que nos últimos anos a esfera profissional cresceu e tomou conta de nossa esfera pessoal e de nosso tempo livre. Talvez os empregados de Antônio Ermírio prefiram freqüentar festas e churrascos com seus familiares e amigos, e não com seus colegas. Estive no Brasil no ano passado. As pessoas com quem conversei me disseram que sua vida privada está desaparecendo devido ao trabalho. É um preço muito alto.

Em algumas profissões, como a de publicitário ou de jornalista, os profissionais têm prazos a cumprir e acabam tendo de trabalhar mais do que a carga horária combinada. Como conciliar essas profissões com suas teorias?
Claro, em algumas profissões e de acordo com a dinâmica do mercado de trabalho temos de ficar mais tempo no trabalho, trabalhar à noite. Algumas vezes tenho de trabalhar até bem depois das 6 da tarde porque clientes pedem alguma mudança ou uma campanha acaba demorando mais do que o esperado. Mas mesmo assim tento com todas as minhas forças sair no horário certo.

A adoção de medidas rígidas, como mandar os empregados desligar seus celulares no ambiente de trabalho, por exemplo, não os desestimula e acaba por reduzir sua produtividade?
Meus empregados podem atender ligações urgentes, claro, mas não ficar batendo papo. Eles têm bastante tempo para fazer isso depois do expediente, já que saem do escritório por volta das 6 da tarde. Não espero que fiquem até depois disso, como acontece na maioria dos escritórios e agências de publicidade. Acredito que um horário fixo de trabalho é uma das maneiras de ajustar esses limites. Não somos pagos para estar à disposição o tempo inteiro.

O que você acha da teoria do ócio criativo do sociólogo italiano Domenico de Masi, que diz que precisamos de tempo livre para produzir melhor em nosso ambiente de trabalho?
Para ser honesta, nunca li Domenico de Masi. A criatividade não pode ser direcionada e precisa de espaço para se desenvolver. É uma palavra que está sendo cada vez mais usada. Muitas empresas se autodenominam criativas, fazem disso uma propaganda. Por isso, para mim, é uma palavra sem sentido.

O que você faria se descobrisse que dois funcionários de sua empresa estão tendo um caso?
Não vejo problemas. Sei que o ambiente de trabalho é um dos principais locais onde isso acontece. Mas isso deve ser problema deles, e não assunto para o meu café da tarde. O caso deve acontecer na vida privada deles, longe do ambiente de trabalho, na cama deles ou em qualquer outro lugar.

Você diz em seu livro que, na dúvida entre contratar um homem ou uma mulher igualmente qualificados, acaba optando sempre pela mulher. Por quê?
Prefiro trabalhar com mulher porque falamos a mesma língua. Na maioria dos casos é mais fácil, porque as mulheres não se estressam tanto com trabalho. Elas sabem que trabalho não é tudo, por isso a maioria mantém uma distância prazerosa, às vezes até mesmo bem-humorada, de seu trabalho. Gosto disso.

Você vai contra todo o pensamento corporativo atual. Também é muito jovem e sempre chefiou empresas pequenas, não multinacionais. Por que suas idéias devem ser levadas a sério?
Sou membro de uma geração que é cética e pé no chão o suficiente para não acreditar em conceitos eufemísticos de gerenciamento. Nós crescemos observando que boa parte da população não tem emprego. Eles não fazem nada, e entram em depressão. A outra parte da população tem emprego e trabalha sem parar. Crescemos com esse paradoxo, e sabemos que esses métodos de gerenciamento pseudo-humanísticos não são a solução para essa contradição, e sim a tornam ainda pior.

Judith Mair

Dados pessoais
Nasceu em Colônia, na Alemanha.

Carreira
Fundou a agência de publicidade Mair. U. A., Em Colônia, em 2000, e a ”hello-hello”, Em Berlim, de marketing e construção de imagem de marcas, em 2004.

Livros
“Chega De Oba-oba!” (Best-seller Na Finlândia E Na Holanda)
“Fake For Real”.

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